quinta-feira, 25 de março de 2010

A retórica da Paixão

A Paixão Segundo São Lucas, do compositor polonês Krzysztof Penderecki, foi encomendada pela Rádio da Alemanha Ocidental para celebrar o 700º aniversário da Catedral de Westphalia, Münster. A obra foi composta entre 1963 e 1966, e a estréia ocorreu no dia 30 de março de 1966, quarta-feira da Semana Santa, naquela Catedral. O texto é formado por passagens bíblicas e outros textos sacros. A obra dura aproximadamente 80 minutos e, para a sua interpretação, são necessários três coros mistos a quatro vozes, coro de meninos a duas vozes e três solistas. Quanto à instrumentação, é necessário um grande efetivo orquestral. A obra tem 27 movimentos e está organizada em duas partes: a primeira está dividida em três seções; a segunda, em quatro.

A Paixão é uma das obras mais representativas da segunda metade do século XX e exemplifica o estilo de Penderecki nos anos sessenta, revelando as múltiplas facetas de um compositor em fase de amadurecimento e em sintonia com o contexto no qual ele se insere. A obra é eminentemente atonal. Penderecki trabalha com duas séries que têm a estrutura composta quase que exclusivamente por intervalos de segundas e terças menores. A primeira série é formada por dois hexacordes que têm a mesma sequência intervalar, estando separados por um trítono. As últimas quatro notas da segunda série contêm as iniciais BACH, numa homenagem explícita ao compositor barroco. Entretanto, a despeito do atonalismo predominante e de algumas passagens microtonais, a obra contém, em termos macro-estruturais, elementos tonais que são estabelecidos nas relações de centricidade entre notas pedais em diferentes momentos da composição. Além disso, a definição dos centros tonais e a pontuação harmônica que eles estabelecem revelam, em última instância, a existência de um plano formal similar àquele do rondó-sonata.

Os estudos existentes sobre a Paixão não abordam os aspectos harmônicos e formais numa perspectiva macro-tonal que nos parece essencial para a compreensão da obra como um todo, visto que as notas pedais definem, de forma global, a sintaxe harmônica, destacando aspectos semânticos da narrativa poética. Estes pedais, geralmente executados pelo órgão, são as notas mais graves, longas e fortes nos diferentes contextos nos quais se inserem, assumindo, por conseguinte, importância e função relevantes sob o ponto de vista da articulação formal.

No estudo publicado na revista Per Musi (http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/11/num11_cap_02.pdf), aprofundo a discussão sobre os aspectos tonais da Paixão Segundo São Lucas, mostrando a possível relação existente entre a obra de Penderecki e o coral An Wasserflüssen Babylon, de J. S. Bach. A análise comparativa da estrutura musical e retórica, nas duas peças, mostra como música e texto estão diretamente interligados e como tais estruturas enfatizam aspectos relevantes e distintos do drama músico-textual.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

terça-feira, 9 de março de 2010

Música Nova e Arranjos Corais

A FUNARTE lançou entre os anos 70 e 80 duas coleções: Música Nova do Brasil para Coro a Capela e Arranjos Corais de Música Folclórica Brasileira. Vários compositores brasileiros, ou assim naturalizados, assinam as obras que integram estas coleções, um marco no cenário editorial brasileiro.

Integram a coleção MNBCC: 1. Arca de Noé (Ernst Mahle - Vinícius de Moraes); 2. Aleluia (Bruno Kiefer - Lara de Lemos); 3. Ave-Maria (Claudio Santoro); 4. Belo Belo (Brenno Blauth - Manuel Bandeira); 5. Belo belo (Ronaldo Miranda – Manuel Bandeira); 6. Canção de Barco (Ricardo Tacuchian - Mário Quintana); 7. Canção da primavera (Murillo Santos - Mário Quintana); 8. Canto/ciranda (ao) Chão (Aylton Escobar - Ilka Laurito); 9. Chormaphoneticos Op. 58 (Lindembergue Cardoso); 10. Com som sem som (Gilberto Mendes - Augusto de Campos); 11. Cussaruim em dois tempos (José Vieira Brandão - Manuel Bandeira); 12. Em tempo de terra e de boi (Henrique de Curitiba - Carlos Drummond); 13. Invocação litúrgica (Jaime Cavalcanti Diniz); 14. Na rebancêra do má (Sérgio de O. de Vasconcellos Corrêa); 15. O morcego (Nestor Cavalcanti - Augusto dos Anjos); 16. Os sinos (Carlos Alberto Pinto Fonseca - Manuel Bandeira); 17. O vento no canavial (Ernst Widmer - João Cabral de Melo Neto); 18. Passos da paixão (Willy Corrêa de Oliveira - Affonso Ávila); 19. Peça coral n. 1-M.30 (Emílio Terraza - Haroldo de Campos); 20. Poema (Mário Ficarelli - Gonçalves Dias); 21. Rezação (Reginaldo Carvalho); 22. Rola mundo (Fernando Cerqueira - Carlos Drummond); 23. Rosa rosae (Raul do Valle - Carlos Drummond); 24. Segredo (José Penalva - Carlos Drummond); 25. Topologia do medo (Cirlei de Hollanda - Haroldo de Campos); e 26. Três cânticos de amor (Almeida Prado).

Formam a coleção de ACMFB: 1. Anda à roda (Sérgio Oliveira de Vasconcellos Corrêa); 2. Canoa em dois tempos (Kilza Setti); 3. Carimbó (Ernst Mahle); 4. Chula da cachaça (Marcelo Homem de Mello); 5. Dai-me licença (Sérgio Oliveira de Vasconcellos Corrêa); 6. De pastoris e reisados (Mirian Pitta); 7. De um cego (Henrique Korenchendler); 8. Ema-sariema (Emmanuel Coelho Maciel); 9. Escondumba-a-rê (Antônio Vaz); 10. Forrobodó da saparia (Lindembergue Cardoso); 11. Moreninha, se eu te pedisse... (Henrique Korenchendler); 12. Nigue ninhas (Domênico Barbieri); 13. Ó mana deix’eu ir (David Machado); 14. Pega no balão (David Machado); 15. Que casa é essa? (Antônio Vaz); 16. Saia de babado (Antônio Vaz); 17. Sambalelê (David Machado); 18. Suíte nordestina (Ronaldo Miranda); e 19. Vamo vadiá (José Alberto Kaplan).

A FUNARTE havia reeditado várias partituras dessas coleções e disponibilizado para download gratuito. Esse material desapareceu, todavia. Caso se interesse, contate-me. A ideia é divulgar e incluir a música brasileira nos repertórios dos nossos coros e de diversas partes do mundo. Vale a pena conferir e resgatar esse patrimônio.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)