domingo, 6 de fevereiro de 2011

Licores, amores e música

Viçosa do Ceará está localizada na Serra do Ibiapaba, noroeste cearense, o que lhe assegura um clima ameno, com temperatura média anual entre 22º e 24º Celsius. Chegamos por lá num fim de tarde de uma terça-feira qualquer de janeiro. Fomos recebidos com névoa e frio. Subindo e descendo ladeiras, encontramos abrigo na pousada às margens do lago central, contornado por luzes de vapor de sódio, pequenos sóis no meio da paisagem monocromática e melancólica.

O patrimônio arquitetônico colonial, tombado oficialmente pelo IPHAN, narra a trajetória histórica da cidade. Nas ruas estreitas, casas e sobrados com beirais e largas janelas se destacam. Na praça onde se encontra a igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção, o coreto silencioso preserva parte da memória musical do lugar. É por ali que se localiza o Refúgio do Ímpares, uma antiga pensão exclusiva para solteiros. No ponto mais alto da cidade está a Igreja do Céu, de onde é possível contemplar a região e mapear as trilhas ecológicas, o caminho das pedras e das águas.

A bodega de Alfredo Miranda, construída nas primeiras décadas do século vinte, é hoje a conhecida Casa dos Licores (http://www.casadoslicores.com.br/), o lugar ideal para a compra e degustação de cachaça, licores, doces, bolinhos de nata, petas e sequilhos de coco. Como tudo em Viçosa, o ambiente também é simples e acolhedor naquele casarão: os tachos de bronze pendurados nos caibros e a policromia das bebidas artesanalmente engarrafadas contrastam com a mobília envelhecida e escura. O aroma inebriante nos convida a permanecer por lá, ouvindo as histórias sobre Seu Alfredo, que, além de comerciante, fabricava e tocava pífano, ofício que aprendeu com um curumim da região, aos seis anos de idade. (Para fabricar o instrumento, ele cortava a taboca nos dias de lua cheia, dos meses sem erres - maio, junho, julho e agosto).

Hoje, com noventa e cinco anos, ele está com a memória debilitada e os movimentos limitados em virtude dos problemas de saúde. Quando não está dormindo, fica ao lado de Dona Teresinha Mapurunga, sua esposa, que fala orgulhosamente do casal que brevemente festejará as bodas de diamante. Mestre Alfredo já não lembra os nomes das pessoas, os fatos da sua vida e as tantas histórias que contou. Restou-lhe apenas o pífano quase centenário, perfeitamente afinado com as reentrâncias da madeira e do tempo, que ele continua a tocar com beleza comovente. Graças à iniciativa do Laboratório de Estudos da Oralidade, da Universidade Estadual do Ceará, segui minha viagem com o som daquele pife em meus ouvidos e coração, pois em Viçosa, e na casa de Alfredo Miranda, a vida tem o doce sabor dos licores, dos amores e da música.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)