quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Coro de Câmara em São Paulo – Parte 3/3

No penúltimo dia da turnê em São Paulo, o Coro de Câmara de Campina Grande apresentou-se no Museu de Arte Sacra, uma construção secular na qual se insere o Mosteiro da Luz e onde vivem as Irmãs Concepcionistas. O concerto ocorreu no pátio interno, que tem excelente acústica, numa manhã ensolarada, com céu azul, algumas nuvens e vento brando. O som do coro reverberou nas paredes daquele monumento de taipa, que guarda um rico patrimônio da arte sacra e os restos mortais do primeiro santo brasileiro, Frei Galvão. Cantamos para um público acomodado sobre a grama, bem como para as monjas enclausuradas, que nos ouviam recolhidas no silêncio das suas celas, cujas janelas, protegidas por cortinas semicerradas, permitiam a passagem de uma estreita faixa de luz.

Na Cultura Inglesa, localizada no Brazilian British Centre, participamos da série de recitais do Centro de Música Brasileira, um convite da pianista Eudóxia de Barros. Nesta noite, abrimos com o Salmo 23, de Eli-Eri Moura, com a irretocável interpretação do pianista Paulo César Vitor. Do repertório secular destacaram-se Desafio, de Osvaldo Lacerda, e A cacimba, de Reginaldo Carvalho com poema de Zé da Luz, obra que arrancou risos da plateia. Durante o programa, comentei que estava celebrando 30 anos de trajetória musical e sobre a alegria de reencontrar, ao longo da semana e naquele recinto, pessoas importantes nesta caminhada, dentre as quais Marcos Júlio Sergl, Graças Reis, Djailton Carvalho e Samuel Kerr. Na recepção, após o concerto, brindamos com vinho, fato que alegrou ainda mais aquela noite, que, por conta do início do horário de verão e da nossa euforia, prometia ser muito curta.

O café amargo e com gosto de saudade não nos despertou do mundo dos sonhos. O ônibus chegou e lentamente carregamos as malas, partindo rumo à Igreja Batista da Vila Gerte, em São Caetano do Sul. Com o templo lotado, cantamos com força e fé, sorrindo e chorando, felizes pelo dever cumprido, tristes por conta da despedida. Um sentimento de gratidão, no entanto, tomou conta daquele espaço sagrado ao final da celebração-concerto, depois dos solos e das orações, quando emocionados entoamos com a congregação Como agradecer a Jesus, uma conhecida melodia do HCC.

Voltamos renovados e confiantes, sabendo que o caminho é este e que ainda há muito que trilhar até o próximo desafio, seja um novo repertório, empreendimento ou turnê, desta vez, no Rio de Janeiro, ano que vem. Meu agradecimento especial para o Coro de Câmara de Campina Grande, sem o qual nada disso seria possível, para a UFCG, a UEPB, a FURNE e o Instituto Cresce Campina, bem como todos os parceiros de São Paulo, que acreditaram e ajudaram a concretizar este projeto.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Coro de Câmara em São Paulo – Parte 2/3

O terceiro dia da turnê em São Paulo começou com uma visita à Escola Municipal de Música. Lá nos esperavam as professoras Sônia Albano, diretora da instituição, e Regina Kinjo, regente do Coro Infanto-Juvenil. Após a apresentação dos anfitriões, o Coro de Câmara interpretou cerca de dez canções. Para coroar o encontro, cantores, professores e plateia trocaram experiências enquanto o coquetel era servido.

No caminho para a EMESP, paramos no Mosteiro de São Bento, uma referência na arquitetura brasileira. A basílica é imponente, escura, ornamentada e possui um órgão de tubos que é usado frequentemente nos serviços religiosos e concertos. Contemplamos a obra sem pressa. Queríamos cantar naquele santuário. Como não era permitido fotografar e filmar, imaginamos que não lograríamos êxito no pleito. No entanto, o monge paraibano que nos atendeu autorizou-nos a cantar e também registrar aquele momento singular em nossa trajetória. Cantamos ao redor do altar, de forma introspectiva, a Ave Maria e As sete palavras da oração dominical, dois motetos de Reginaldo Carvalho.

Na EMESP, nosso concerto foi para uma plateia pequena, porém qualificada. Dentre os seletos espectadores estavam Thiago Abdalla, Fábio Ramazzina e Chrystian Dozza, membros do Quaternaglia Guitar Quartet, amigos do Festival Internacional de Música de Campina Grande. Curiosamente, ao final do concerto, alguém indagou-me publicamente sobre o nosso processo de trabalho e, mais particularmente, a sonoridade do grupo. Empolgado, falei das minhas convicções, que sou adepto do solfejo móvel e que prefiro cantar literatura originalmente escrita para coro, priorizando, sempre que possível, o repertório inédito, brasileiro e paraibano. Contei que o coro ensaia três vezes por semana e que divido o tempo disponível em várias etapas, incluindo técnica vocal e leitura à primeira vista, esta última usando os corais de Bach. Disse que acreditava na força educativa da prática coral e que procurava explorar diferentes sonoridades, afinando as notas e os formantes das vogais, buscando leveza e uniformidade. Convidei todo mundo para conhecer nosso trabalho in loco, assim seria possível saborear os elementos do Português Brasileiro falado e cantado no Nordeste do Brasil, e quem sabe dirimir qualquer preconceito, visto que nossas idiossincrasias não nos tornam nem maiores nem menores, nem melhores nem piores, senão únicos e diversos ao mesmo tempo.

Tendo em vista o cancelamento das atividades em São Carlos, reordenamos o cronograma do quarto dia. Muitos foram para a José Paulino, a Vinte e Cinco de Março e a loja Irmãos Vitale. Alguns passearam pelo Ibirapuera. Outros se juntaram na cozinha do Hostel, temperando a comida e a amizade. Ensaiamos no final do dia. Depois, partilhamos a sopa, o pão e as experiências, celebrando aquele instante e a vida.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Coro de Câmara em São Paulo – Parte 1/3

O Coro de Câmara de Campina Grande realizou recentemente a sua primeira turnê nacional. Ao todo, foram sete apresentações na cidade de São Paulo, incluindo o Instituto Baccarelli, o SESC, a Escola Municipal de Música, a EMESP, o Museu de Arte Sacra, a Cultura Inglesa e a Igreja Batista da Vila Gerte.

A turnê teve início com uma visita ao Coro da OSESP. Fomos recebidos pela maestrina Naomi Munakata. Participamos do aquecimento vocal, coordenado por Marcos Tadeu, e acompanhamos a preparação da Petite Messe Solenelle, de Rossini, e do Requiem, de Mozart. Antes do término das atividades, falamos sobre o trabalho desenvolvido em Campina Grande e cantamos para os integrantes daquele coro. Ao longo do ensaio, compreendemos o funcionamento de um grupo profissional, a sua rotina de trabalho, seus desafios e (des) encantos. À tarde, visitamos a Sala São Paulo, que, apesar das políticas de democratização do acesso à música, não permite a entrada de pessoas com sandálias.

No dia seguinte, visitamos o Instituto Baccarelli, um dos projetos sociais mais relevantes no Brasil, no campo da música. Conhecemos a estrutura física e a proposta artística e pedagógica da instituição, idealizadas e assinadas por grandes nomes, dentre os quais Silvio Baccarelli, Isaac Karabtchevsky e Zubin Mehta. Nas conversas com a equipe administrativa, soubemos da existência de vários grupos de câmara, orquestras e mais de vinte coros, incluindo músicos com diferentes faixas etárias, interpretando repertórios diversos. Na ocasião, fomos recepcionados pelo coro infanto-juvenil, assistidos por Cláudia Cruz e Silmara Drezza, que também é a coordenadora dos grupos vocais do instituto. O pré-coral, formado por crianças entre 6 e 7 anos, também participou do encontro. Conforme explicou a regente Juliana Rheinboldt, aquela era a primeira apresentação do grupo. As músicas interpretadas nos fizeram pensar sobre os sentidos da vida. Fiquei emocionado, pois, primeiro, as crianças cantaram Movimentando e Canção de ninar a sementinha, ambas de minha autoria. Depois, Leandro Souza regeu o Coro de Câmara, que cantou Vida nova, música de Gualtieri Beloni Filho, com arranjo de Samuel Kerr. Os versos de Thiago de Mello sublinharam nossa práxis poética e profética: “volto armado de amor para trabalhar cantando, na construção da manhã.”

À noite, seguimos para o SESC, na Vila Mariana, onde encontramos o grupo da professora Giselle Cruz. Juntos, desenvolvemos várias atividades, que, num processo crescente e contínuo, nos encantaram e envolveram, fazendo com que perdêssemos a noção de tempo e lugar. A noite estava fria e a lua flutuava alta no céu acinzentado quando caminhamos para o Hostel, cantarolando Mais um adeus, ruminando os versos do poeta centenário, certos de que a música, assim como o amor, é uma alegria e de repente uma vontade de chorar.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)