sábado, 31 de julho de 2010

Quando um coro decide viajar...

Quando um coro decide viajar os resultados são sempre muito positivos. Os membros do grupo, especialmente os oportunistas, se sentem motivados e passam a frequentar os ensaios assiduamente, atingindo um excelente nível de participação e aprendizagem. Antes da viagem, no entanto, é importante que o regente estabeleça as regras para a convivência civilizada, seja no avião, no ônibus, no hotel ou no teatro. É sempre bom lembrar aos cantores que estes lugares são públicos e que qualquer comportamento inadequado poderá comprometer a imagem do coro. Por isso, eles devem agir com cautela, discrição e respeito.

É conveniente definir o cronograma de atividades e estabelecer aquelas que são prioritárias, deixando espaço para a programação social e turística, também relevante, porém secundária. Para auxiliar o trabalho, deve-se elaborar uma lista com todos os artefatos que os cantores precisam incluir nas suas malas, evitando, por exemplo, que alguém esqueça a farda do grupo. O mesmo vale para os remédios, documentos pessoais, números de telefones para contatos em caso de emergência, partituras, dentre tantos outros itens imprescindíveis. Para impedir o excesso de bagagem, cada um deve levar apenas uma mala e uma bolsa de mão, devidamente identificadas. Os cantores serão responsáveis por seus pertences, transportando-os para todos os lugares. É fundamental que o regente obtenha dados básicos sobre o lugar a ser visitado, pois tais informações ajudam a entender o clima e a compreender as particularidades econômicas, políticas, sociais e culturais de cada comunidade. Crucial mesmo é  conhecer os locais onde serão realizadas as apresentações, visto que as condições acústicas do teatro, da igreja ou do auditório serão determinantes para a escolha do repertório a ser interpretado, a organização e disposição dos cantores no palco.

A pontualidade é essencial para o sucesso das atividades que envolvem muitas pessoas. Assim, o regente deve estabelecer o horário de saída e chegada do grupo durante a realização das tarefas coletivas, e os cantores devem se preparar antecipadamente. É preciso esclarecer, desde o princípio da viagem, que os retardatários perderão o transporte, arcando com as despesas extras de locomoção. É recomendável que os cantores fiquem atentos durante os passeios e, sempre que possível, avisem ao chefe de naipe ou regente para onde estão indo e com quem estão saindo. Isso ajudará a reduzir as preocupações e os problemas.

A experiência da viagem em conjunto é sempre desafiadora e enriquecedora, pois os cantores estreitam os vínculos afetivos, criam novos laços de amizade, potencializam os aspectos humanos da prática coral. Todavia, esta aventura fascinante requer organização, disciplina, paciência e muita responsabilidade, elementos indispensáveis à manutenção e ao equilíbrio do grupo, da arte e da vida.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

domingo, 25 de julho de 2010

Londrina, a cidade de todas as músicas.

Estive novamente no Paraná participando da trigésima edição do Festival de Música de Londrina (http://www.fml.com.br/). Aceitei o convite do diretor artístico deste importante evento, o pianista Marco Antonio Almeida, com grande alegria e com a missão, digamos assim, de representar as regiões Norte e Nordeste do Brasil.

O Festival, que é de todas as músicas, acolheu mais de novecentos alunos oriundos de diversos estados brasileiros. O corpo docente e os artistas convidados vieram de diferentes partes do nosso país e do mundo, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Coréia e Japão. Durante as duas semanas do Festival foram realizados oitenta concertos em Londrina e cidades vizinhas para, aproximadamente, oitenta mil pessoas. O investimento financeiro, estimado em quase um milhão de reais, foi obtido graças à sensibilidade, comprometimento e engajamento dos gestores públicos e das instituições privadas, nacionais e internacionais, que se uniram em prol da música.

Na abertura, a Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina, comandada pelo maestro Norton Morozowicz, apresentou o Concerto para piano em fá, de George Gershwin, e o Choros nº 10, de Villa-Lobos. Para homenagear o compositor Robert Schumann, cujo bicentenário de nascimento estamos comemorando, apresentamos o espetáculo cênico-musical Ich liebe dich!, o romantismo como destino, que mostrou a complexa relação entre Clara Wick e Robert Schumann. Naquela noite fria e sombria, aquecemos Londrina com a música e as correspondências deste casal apaixonado. Chopin também foi reverenciado no recital da pianista russa Julija Botchkovskaia. No entanto, o mundo girou quando Lia de Itamaracá dançou ciranda, no meio da praça; depois, encantou-se quando Marília Álvares e Angelo Dias, lá no Teatro Zaqueu, apresentaram um panorama da canção brasileira através da lírica de Alberto Nepomuceno, Heitor Villa-Lobos e Waldemar Henrique; por fim, a terra tremeu, no Ouro Verde, no momento em que os tímpanos anunciaram Carmina Burana, de Carl Orff, que interpretamos com quase duas centenas de músicos e cantores, todos integrantes da orquestra e do coro do Festival, sob a regência do maestro japonês Daisuke Soga.

Em todas as aulas, eventos e concertos, o interesse e o envolvimento dos participantes e de toda a equipe organizadora foram determinantes para o sucesso deste intercâmbio cultural e educacional, que, inevitavelmente, muda nossas vidas para sempre. Todos nós tivemos uma excelente oportunidade para ampliar as perspectivas musicais, artísticas e humanas. Pelo céu do Brasil, vou subindo em direção ao topo da Serra da Borborema, acomodando malas e experiências; contemplando um belo horizonte sem fronteiras; acalentando novas ideias; ouvindo o eco da minha voz; revendo a trajetória dos meus gestos; relembrando o momento no qual meus alunos compreenderam os seus limites e também descobriram as suas potencialidades; esperando por novos desafios, outros festivais.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Radegundis Feitosa

Há exatamente um mês, durante a realização do Festival Internacional de Música de Campina Grande, o trombonista Radegundis Feitosa estava conosco, ministrando aulas e ensaiando as Três Peças para Trombone e Piano (Humoresca, Noturno e Tarantela), escritas em 1987 por José Alberto Kaplan. Andava pelos salões do Centro de Convenções, sempre conversando e bem humorado, razão pela qual deixava escapar aquele sorriso inconfundível, que ainda ecoa distante no horizonte nublado desta primeira manhã de julho, quando recebemos a notícia da sua trágica e prematura morte.

A Paraíba e o Brasil, de norte a sul e de leste a oeste, estão em silêncio, chorando e lamentando a perda deste bon vivant, educador engajado e amante das artes. Ao longo do dia, ouvimos muitos depoimentos ressaltando as contribuições de Radegundis para o cenário musical local, regional e nacional, bem como as suas qualidades como professor, artista e cidadão. Indiscutivelmente, um dos traços mais marcantes da sua personalidade era a simplicidade sertaneja, a própria imagem de Itaporanga, sua terra natal, na região do Vale do Piancó.

Radegundis trilhou um longo caminho acadêmico, saindo da pequena Filarmônica Cônego Manoel Firmino, início da sua vida musical, para a graduação na UFPB, o mestrado e, finalmente, o doutorado nos Estados Unidos. Nesta trajetória, nem sempre tão fácil e que inspirou e continuará inspirando muitos jovens estudantes, recebeu prêmios nacionais e internacionais e apresentou-se em importantes centros musicais do Brasil, América do Norte e Europa, sempre atuando como solista, camerista e instrumentista de orquestra. Em João Pessoa, além de lecionar nos cursos de extensão, graduação e pós-graduação da UFPB, exerceu funções administrativas e colaborou, de forma decisiva, no processo de divulgação da música brasileira, sobretudo com os trabalhos do Quinteto Brassil e do Brazilian Trombone Ensemble, cuja produção fonográfica é bastante representativa. O nome dele não será esquecido por conta da sua técnica e expressividade. Seus gestos, no palco, revelavam uma profunda e intrínseca relação entre música e movimento, entre ele e o próprio instrumento. É como se os dois se completassem. Radegundis fez escola, conquistou discípulos e será reconhecido, como já o era quando estava fisicamente conosco, por conta do seu notável trabalho com as inúmeras bandas de música, sobretudo aquelas sediadas no interior do nosso país, celeiro de grandes artistas.

Agora, precisamos reencontrar o caminho e seguir adiante, em paz e na luta, profetizando e poetizando. Juntos, devemos continuar encantando as platéias, alimentando-as com as nossas utopias, trabalhando em prol de um mundo melhor, mais justo, belo e afinado. Certamente, toda vez que o céu da Serra acinzentar e começar a trovejar, saberei que Radegundis está ensaiando ou, provavelmente, dando mais uma daquelas inesquecíveis e estrondosas gargalhadas.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)