domingo, 21 de outubro de 2018

Campina FM

Hoje a Campina Grande FM completa quarenta anos. Pioneira na Paraíba, e segunda no Nordeste, a rádio inaugurou um novo tempo na comunicação no estado, oferecendo à população da Rainha da Borborema e circunvizinhança uma vasta grade com música, jornalismo e temas especiais. Lembro que a primeira transmissão foi precedida por muito frenesi e expectativa.

Nomes importantes do rádio-jornalismo passaram por essa estação. Certamente, seu fundador e diretor, Hilton Motta, foi uma das vozes mais representativas. Aquele timbre inconfundível invadia nosso cotidiano, anunciando os jogos da seleção brasileira, os resultados das eleições, o réveillon. Na Serra, durante muito tempo, na passagem do ano, as luzes da cidade se apagavam, marcando o fim de um ciclo e o começo de outro. A contagem regressiva era feita por Seu Hilton, que com entusiasmo contagiante despertava em cada um dos ouvintes a esperança em dias melhores, a sensação de recomeço a partir daquela zero hora. Wilson Maux, teatrólogo, escritor, radialista, professor e ator, é também personagem marcante nessa história. Diariamente, nossas manhãs eram banhadas por sua voz potente. Começava na alvorada, com o Desperta, Campina e a Ave-Maria; depois, no Jornal Integração; por fim, ao meio-dia, com o quadro Bom dia para você, no qual lia crônicas de sua autoria. Dizem que, ao todo, ele redigiu mais de mil textos, muitos dos quais verdadeiras pérolas. A lista de ouro da 93.1 é vasta e inclui Flávio Barros, Jorgito, Toninho Lima, José Lyra, Zé Nobre, Inaudete Amorim, Fátima Silva, Kalilka Vólia, Alan Ferreira, dentre tantos outros, da velha e nova geração.

Curiosamente, programas computacionais eram transmitidos aos sábados, à tarde. Escutávamos frequências, no limiar entre o som e o ruído, assim como uma música difusa, que os aficionados gravavam em fitas K-7, que serviam como unidades de memória auxiliar dos primeiros computadores. Tratava-se, portanto, de um protótipo de um sistema para transmissão de dados em um ambiente wireless, utilizando o rádio. As canções da Noite dos Namorados embalaram meus sonhos, meu encontro com Jane Cely.

A minha relação com a emissora intensificou-se quando passei a colaborar com o Clássicos Eternos. Mesmo sem conhecimentos específicos na área, ofereci-me para a tarefa. Queria adentrar no fascinante mundo da radiodifusão. Comecei auxiliando Marilena Motta na seleção das obras, escrevendo o roteiro. Em seguida, assumi-o integralmente, produzindo-o e apresentando-o. Foram quatro anos de intensa atividade matinal, sempre aos domingos, no nevoento topo da Colina da Palmeira. Divulgamos eventos e exploramos a música de diferentes períodos e compositores, obras instrumentais e vocais, com apresentações ao vivo e entrevistas. Esta foi uma experiência inesquecível, transformadora. É por isso que, nesse dia de festa, faço votos de vida longa, reforço minha gratidão, receba meus parabéns, Campina FM.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

sábado, 20 de outubro de 2018

Gente Feliz

A Fundação Nacional de Artes e a Universidade Federal do Rio de Janeiro realizaram esta semana o Seminário Música Popular Brasileira Em Pauta. Realizado na Escola de Música da UFRJ, o evento contou com a presença de representantes de várias regiões do país que trabalham com a música em suas variadas configurações, incluindo ensino, pesquisa, difusão, produção, gestão e preservação.

Nas mesas redondas, tratamos do espaço que a música tem ocupado nas políticas públicas de cultura, a música brasileira no contexto universitário, o intercâmbio entre universidades e instituições culturais. Constatamos que temos caminhado numa mesma direção, diminuindo as fronteiras do erudito/popular, inserindo essas duas formas de representação do fazer/saber musical na academia, nas agências de fomento à arte. Os relatos dos gestores Marcos Souza (Centro de Música da FUNARTE), Elizeth Higino (Biblioteca Nacional), Mário Chagas (Instituto Brasileiro de Museus), Ana Lígia de Medeiros (Casa Rui Barbosa), Cláudia Castro (Museu Villa-Lobos) e Ellen Krohn (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional) ratificaram o que já sabíamos, isto é, que a  escassez de investimentos e a precarização de tais órgãos vêem gradualmente pondo em risco a preservação da nossa memória e identidade.

O clima de apreensão marcou o encontro. O temor é que a ascensão da extrema direita ao poder agrave ainda mais esse quadro, colocando em risco todas as conquistas dos últimos anos, a liberdade de expressão. A análise dos programas de governo dos candidatos revela os retrocessos que estão por vir numa eventual vitória desse grupo. Tirem suas próprias conclusões, confiram os dois projetos disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (Fernando Haddad -  Jair Bolsonaro). Pesquisem, nestes documentos, palavras-chaves como diversidade, cultura, arte, museus, bibliotecas, IPHAN, ANCINE e FUNARTE. Vejam quantas vezes elas aparecem em cada um, o que dizem, quais as propostas, o que enfrentaremos pela frente. Os discursos dos candidatos também denunciam o que eles pensam sobre financiamento de projetos artísticos, sobretudo em relação à Lei Rouanet.

Na diversa capital fluminense, realimentei a esperança em dias melhores, distantes dessa sombra de medo, violência e atraso que nos ronda. Pensei nos meus filhos, nos meus alunos, no meu papel enquanto educador, artista, cidadão, ser político. Reencontrei velhos amigos. Renovei o compromisso, o engajamento na luta por uma sociedade mais justa, livre, civil, sem o controle das forças armadas. Ví que não estou sozinho. Andei por becos e vielas, pela Rua do Passeio e os Arcos da Lapa, contemplando o contorno imprevisível das manhãs, das montanhas e do mar, dando asas à imaginação, num Circo Voador, ouvindo Vanessa da Mata, com sua voz maviosa e desafiadora, cantar-dizer que não se incomoda com pouco, que se cuida para não ficar amargurada, que não é do tipo que reclama e fica sentada. Vamos à luta, Gente Feliz!

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

É preciso saber viver

A Licenciatura e o Bacharelado em Música da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), frutos do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), foram oficializados por intermédio das Resoluções Nº 8/2008, Nº 8/2012 e Nº 3/2013, da Câmara Superior de Ensino, que aprovaram a criação dos referidos cursos e definiram as suas estruturas curriculares, respectivamente. A abertura desse espaço para a formação profissional teve grande impacto na área polarizada pela Rainha da Borborema. Frequentemente, recebemos pessoas oriundas de várias cidades da Paraíba, incluindo as microrregiões do agreste, brejo, cariri, curimataú, litoral e sertão, bem como de outros estados, dentre os quais Piauí, Ceará e Pernambuco. Os jovens advém das tradicionais bandas de música, de grupos de diferentes denominações religiosas, das mais variadas escolas especializadas destes recantos.

Além de uma vasta e rica experiência, que contempla múltiplas facetas do fazer/saber musical, esses estudantes trazem consigo a certeza de que só por meio da educação poderão alçar patamares cada vez mais altos no competitivo e especializado mundo de trabalho. Sem formação técnica e qualificada, suas carreiras estarão incompletas, ficarão comprometidas. O ingresso destes profissionais no mercado tem alterado a realidade local, promovendo ruptura, contribuindo para a criação de um novo panorama, fato que temos testemunhado ao longo de quase uma década. Os shows que assistimos essa semana, Roberto por elas e Tributo a Dominguinhos, foram assinados por uma equipe da UFCG. Os dois produtos são reflexos dessa mudança.


Os egressos também estão por aí, disseminando o que vivenciaram na Serra. Muito embora ainda não tenhamos pós-graduação, hoje mais de vinte ex-alunos estão nos âmbitos do mestrado e do doutorado, no Brasil e no exterior. Alguns, já concursados, lecionam nos Institutos Federais, enquanto outros atuam como cantores, instrumentistas, maestros, compositores, arranjadores e produtores em instituições privadas, projetos sociais, empreendimentos diversos.


E o que isso nos revela? Que o conhecimento amplia horizontes, transformando a vida de um indivíduo, de um povo, de uma nação. Que o REUNI, mesmo não sendo unanimidade, foi o maior projeto que o Governo Federal desenvolveu na esfera superior nas últimas décadas. Que é necessário continuá-lo, visto que tem contribuído para a democratização do acesso à universidade, a consolidação da cidadania, a construção de um país mais justo. Que é papel das instituições universitárias produzir e socializar ciência, arte e cultura através do ensino, da pesquisa e da extensão, visando a melhoria da qualidade de vida. Que estamos no caminho certo e que nele devemos permanecer, avaliando-o e aprimorando-o. Que nossos gestos, ações e discursos estão carregados de múltiplos sentidos, que poderão inspirar nossos discentes, despertando em cada um a chama da esperança e o compromisso profético, político e poético que sulca e molda a nossa atividade pedagógica, criativa e artística e pelos quais é preciso saber viver.


Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)