sábado, 11 de setembro de 2010

Stabat Mater

A Igreja Católica comemora a festa de Nossa Senhora das Dores no próximo dia 15 de setembro. Um dos pontos marcantes da celebração litúrgica é o Stabat Mater, uma sequência medieval, de autoria incerta, que aborda o sofrimento de Maria, mãe de Jesus, durante a crucificação. O texto já serviu de base para várias composições, dentre as quais se destacam as de Pergolesi, Rossini, Dvorák, Penderecki e Amaral Vieira.

A primeira versão do Stabat Mater (Op. 229) do compositor paulista Amaral Vieira foi escrita em 1988. A peça é para solistas, coro misto e piano. Na segunda versão (Op. 240), composta em 1989, o compositor substituiu o piano por uma orquestra de cordas. Cada um dos vinte movimentos do Stabat Mater corresponde a uma estrofe do poema homônimo. A obra de Amaral Vieira é tonal, muito embora apresente modulações constantes e abruptas, bem como progressões harmônicas ambíguas, que dificultam o estabelecimento de um centro tonal nos moldes tradicionais. O compositor utiliza tais procedimentos harmônicos para enfatizar os aspectos dramáticos do texto. Além disso, o uso da passacaglia e do basso ostinato, o emprego dos policorais e a forma como o compositor trata o texto retoricamente contribuem para a criação de um ambiente neobarroco. Apesar das evidências, Amaral Vieira evita os estereótipos e explica que sua linguagem musical é diversa, abrangendo múltiplos estilos e técnicas. (Para conhecer melhor o pensamento musical do compositor, sugiro a leitura da entrevista que ele me concedeu e que está publicada no endereço http://www.anppom.com.br/opus/opus13/201/01-Vieira-Silva.htm).


Amaral Vieira concilia tradição e ruptura no seu Stabat Mater de forma muito pessoal e moderna. A sua linguagem harmônica é desafiadora e marcada por progressões incomuns. O simbolismo musical é usado para descrever diferentes afetos e emoções. Os trechos para os solistas, por exemplo, tanto enfatizam o caráter introspectivo do texto quanto representam a dor e a desolação de Maria diante da cruz na qual pendia o seu filho. Brevemente, no endereço http://www.anppom.com.br/anais_banco.php, será publicado o artigo Music and rhetoric in Amaral Vieira’s Stabat Mater, Op. 240, no qual discuto temas relacionados à obra, dentre eles a relação música-texto e como a sintaxe harmônica sublinha aspectos semânticos importantes da narrativa, mostrando, em linhas gerais, o paralelo existente entre a estrutura fundamental da  composição (Ursatz) e a estrutura do discurso (Dispositio).

O Stabat Mater de Amaral Vieira representa uma das tendências da literatura coral da segunda metade do século XX. Lamentavelmente, a obra ainda não está publicada, o que tem contribuído para deixá-la à margem das salas de concertos. A peça é tecnicamente viável para a grande maioria das nossas orquestras e coros universitários, que poderiam interpretá-la sem grandes dificuldades, ampliando os seus repertórios, divulgando a música sacra brasileira.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)