segunda-feira, 29 de julho de 2013

Missas brasileiras

O Concílio Vaticano II estabeleceu diretrizes que modificaram as práticas musicais ligadas à Igreja Católica, tanto do ponto de vista composicional quanto interpretativo. A aceitação dos cânticos em vernáculo, a inclusão da tradição musical nativa/regional e a flexibilização na utilização de instrumentos foram algumas das novidades. Nesse contexto se inserem a Misa Criolla (Ariel Ramírez, 1964), a Misa Popular Nicaragüense (Manuelito Dávila, Angelo Cerpas e Juan Mendoza, 1968), a Misa Campesina Nicaragüense (Carlos Mejía Godoy, 1975), a Misa Popular Salvadoreña (Guillermo Cuéllar, 1978-1980) e a Misa a Buenos Aires (Martín Palmeri, 1997).

O Encontro Nacional de Música Sacra, realizado no Brasil em julho de 1965, também tratou do tema, influenciando provavelmente alguns compositores, que passaram a empregar as constantes melódicas, harmônicas e rítmicas da música brasileira. Obras com tais características afloram a partir da segunda metade do século XX: Missa Sertaneja (Reginaldo Carvalho1958), Missa Ferial (Osvaldo Lacerda, 1966), Missa Breve (Henrique de Curitiba, 1966), Missa em Aboio (Pedro Marinho), Missa Afro-Brasileira (Carlos Alberto Pinto Fonseca, 1971), Missa Nordestina (Lindembergue Cardoso, 1971-1974), Grande Missa Nordestina (Clóvis Pereira1978), Missa Olindense (Jaime Carvalho Diniz, 1980) e Missa Alcaçuz (Danilo Guanais, 1996).

Reginaldo Carvalho, por exemplo, compôs a Missa Sertaneja para coro misto a cappella. Trata-se de uma missa cíclica que está dividida em seis partes. O tema inicial de um cada dos movimentos é construído sobre o modo mixolídio, à semelhança das melodias dos cantadores da região Nordeste do Brasil. O texto difere do texto tradicional canônico da missa católica, rezada em língua portuguesa, pois a Missa Sertaneja tem um caráter popular, marcado pelo uso de coloquialismos, tais como a substituição do pronome pessoal “nós” por “a gente”, no Kyrie e no Cordeiro de Deus, ou a expressão “CrenDeusPai”, encontrada na frase inicial do Credo, que reproduz o modo de falar do povo sertanejo.

Os resultados parciais de um estudo sobre este assunto foram publicados nos Anais do XXII Encontro da ANPPOM (João Pessoa, 2012, p. 2556-2564). Percebe-se que as obras, com ou sem função litúrgica, estão em sintonia com as tendências do cenário musical da segunda metade do século XX, associando, em certa medida, a expressão criativa e artística às diretrizes do Concílio Vaticano II. Ao verificar as datas nas quais as peças foram escritas, conclui-se, também, que as mudanças estabelecidas pela Igreja reiteraram uma tendência já existente, visto que alguns compositores já se empenhavam em produzir música sacra empregando elementos regionais, como é o caso de Reginaldo Carvalho, que compôs a Missa Sertaneja quatro anos antes do Concílio. Espera-se que os resultados estimulem o aprofundamento das discussões, a criação de novas obras e, finalmente, contribuam para a difusão desse patrimônio, ampliando as perspectivas da música sacra brasileira.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)