sexta-feira, 22 de julho de 2016

De mãos dadas, ao redor do Teatro

Dirigir artisticamente um evento é uma tarefa complexa. Por mais espetaculares que sejam as nossas ideias, elas sempre esbarram numa questão fundamental: o limite orçamentário. Tal situação se agrava em época de crise econômica, quando as restrições são mais evidentes, definindo, assim, as fronteiras das nossas escolhas, a liberdade criativa. Quando idealizamos um Festival, além do aspecto financeiro, nós também pensamos na sua dimensão sócio-educativa-política, posto que a música é produto da cultura, de um determinado povo-tempo-lugar, da sua historicidade. É por meio do repertório, por exemplo, que expandimos a percepção do mundo e do outro, que compreendemos generalidades e idiossincrasias, aquilo que nos aproxima e nos distancia.

Nesta edição do FIMUS, celebramos o centenário do violonista Dilermando Reis. Ouvimos o panelaço do oratório profano Stella Splendens, de Eli-Eri Moura, que incomodou parte da plateia, que optou por sair do Teatro por considerar a obra “excessivamente provocativa”. Cantamos a Misa Criolla, de Ariel Ramirez, acompanhados por instrumentos típicos da região, numa referência à resistência dos povos da América Latina na luta contra as ditaduras. Homenageamos Antônio José Madureira, fundador do Quinteto Armorial e pioneiro no ensino de música no âmbito da UFPB, Campus II, nos anos setenta. Optamos por uma programação centrada majoritariamente em obras e compositores nacionais, incluindo Osvaldo Lacerda, Camargo Guarnieri, Ernst Mahle, Paulo Rios Filho, Liduino Pitombeira, Dimitri Cervo, Vilani-Côrtes, Guerra-Peixe, Villa-Lobos e o jovem Rafael Meira.

Colocamos a par e passo o permanente e o transitório, o novo e o velho, o tradicional e o moderno, a identidade e o pertencimento. Evidenciamos, em outros termos e como diria Bakhtin, o problema da relação recíproca entre a infraestrutura e as superestruturas, isto é, como a realidade determina o signo e como o signo reflete e refrata a realidade em transformação, sobretudo tendo em vista a ubiquidade social da palavra/música (grifo nosso).

O encontro entre o iniciante e o experiente, o micro e o macro, o som e o ruído, nos fez superar limites, conectar extremos: Júlia Abdalla e Fredi Gerling; o Municipal e a Capela de São Bento, na zona rural de Remígio; o Concerto para dois trompetes em Ré Maior, de Manfredini, e Plangeon, para flauta solo, de Januibe Tejera, magistralmente interpretada por Lucas Robatto. O trabalho de Phillipe Xadai, que assinou o projeto gráfico deste ano, e a animação de Kadu Camilo também estão vinculados. À rigidez das retas do tetragrama contrapõe-se um pontilhismo liquefeito e indefinido, verde e amarelo, misturado, ora em tons pasteis, por vezes em tons vibrantes, tal como o som das marchinhas carnavalescas executadas pela orquestra, na noite do encerramento do Festival, e que nos fizeram dançar de mãos dadas, ao redor do Teatro, enquanto renovávamos as utopias individuais e coletivas.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)