Há exatamente um mês, durante a realização do Festival Internacional de Música de Campina Grande, o trombonista Radegundis Feitosa estava conosco, ministrando aulas e ensaiando as Três Peças para Trombone e Piano (Humoresca, Noturno e Tarantela), escritas em 1987 por José Alberto Kaplan. Andava pelos salões do Centro de Convenções, sempre conversando e bem humorado, razão pela qual deixava escapar aquele sorriso inconfundível, que ainda ecoa distante no horizonte nublado desta primeira manhã de julho, quando recebemos a notícia da sua trágica e prematura morte.
A Paraíba e o Brasil, de norte a sul e de leste a oeste, estão em silêncio, chorando e lamentando a perda deste bon vivant, educador engajado e amante das artes. Ao longo do dia, ouvimos muitos depoimentos ressaltando as contribuições de Radegundis para o cenário musical local, regional e nacional, bem como as suas qualidades como professor, artista e cidadão. Indiscutivelmente, um dos traços mais marcantes da sua personalidade era a simplicidade sertaneja, a própria imagem de Itaporanga, sua terra natal, na região do Vale do Piancó.
Radegundis trilhou um longo caminho acadêmico, saindo da pequena Filarmônica Cônego Manoel Firmino, início da sua vida musical, para a graduação na UFPB, o mestrado e, finalmente, o doutorado nos Estados Unidos. Nesta trajetória, nem sempre tão fácil e que inspirou e continuará inspirando muitos jovens estudantes, recebeu prêmios nacionais e internacionais e apresentou-se em importantes centros musicais do Brasil, América do Norte e Europa, sempre atuando como solista, camerista e instrumentista de orquestra. Em João Pessoa, além de lecionar nos cursos de extensão, graduação e pós-graduação da UFPB, exerceu funções administrativas e colaborou, de forma decisiva, no processo de divulgação da música brasileira, sobretudo com os trabalhos do Quinteto Brassil e do Brazilian Trombone Ensemble, cuja produção fonográfica é bastante representativa. O nome dele não será esquecido por conta da sua técnica e expressividade. Seus gestos, no palco, revelavam uma profunda e intrínseca relação entre música e movimento, entre ele e o próprio instrumento. É como se os dois se completassem. Radegundis fez escola, conquistou discípulos e será reconhecido, como já o era quando estava fisicamente conosco, por conta do seu notável trabalho com as inúmeras bandas de música, sobretudo aquelas sediadas no interior do nosso país, celeiro de grandes artistas.
Agora, precisamos reencontrar o caminho e seguir adiante, em paz e na luta, profetizando e poetizando. Juntos, devemos continuar encantando as platéias, alimentando-as com as nossas utopias, trabalhando em prol de um mundo melhor, mais justo, belo e afinado. Certamente, toda vez que o céu da Serra acinzentar e começar a trovejar, saberei que Radegundis está ensaiando ou, provavelmente, dando mais uma daquelas inesquecíveis e estrondosas gargalhadas.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
5 comentários:
Fomos castrados da personalidade, caráter, musicalidade, presença de palco, ensinamento e notável pessoa.
Sem palavras!!!
professor, ficamos todos muito consternados com essa perda para a música brasileira. mas fico também feliz em saber que há pessoas que se importam e transformam o sentimento em palavras... parabéns pra você e que falta ele fará...!
- wilker marques -
Belo texto, bela homenagem!
Parabéns pela forma que vc tem de escrever sempre profunda, visceral...
Eles deram dignidade à Música da Paraíba.
Vc honra a pequenina e heroica Filipéia de Nossa Senhora das Neves!
Que continuemos unidos em prol da cultura de nossa terra!
Abraços dionisíacos
Olá, Wladimir. Um amigo enviou-me o endereço de seu blog. É uma pena que tenhamos nosso reencontro marcado por uma perda, porém, causou nosso reencontro. E a vida é repleta de encontro e desencontros. Bom poder seguir você no seu blog. Deixo o endereço do meu, caso queira ler um pouco da minha poesia. http://fideliacassandra.blogspot.com/ Gostaria de lhe entregar o meu mais recente livro de poemas PLUMAGEM. Que faço para lhe encontrar?
Grande abraço! Fidélia
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