domingo, 22 de abril de 2012

Guajira espúria

A Guajira espúria é um dos temas incluídos na Chegança de Mouros, coletada na cidade de Natal-RN, por Mário de Andrade, e inserida no livro Danças Dramáticas do Brasil, primeiro tomo, publicado pela Editora Itatiaia em convênio com o Instituto Nacional do Livro e a Fundação Nacional Pró-Memória, de Belo Horizonte, em 1982. No início deste ano, compus uma obra para coro misto a quatro vozes usando o material coletado por Mário de Andrade, que registrou a chegança na versão fonética mais aproximada, tomando como base a dicção dos seus colaboradores. A transcrição prosódica do pesquisador foi mantida na composição, razão pela qual regentes e cantores devem atentar para este aspecto durante o processo interpretativo. Originalmente, a canção possui dez versos. No entanto, nesta composição usei apenas as estrofes um, dois, quatro, sete e dez.

A obra está divida em três seções, sendo a primeira até o compasso 31, a segunda até o compasso 50 e a última até o 62. Enquanto a primeira e terceira seção são notadamente homofônicas e baseadas no mesmo material, a seção intermediária é contrastante, evocando o espírito seresteiro e modinheiro da música brasileira da primeira metade do século XX. Sob a perspectiva melódica e harmônica, a obra apresenta elementos modais típicos do Nordeste brasileiro. A alternância do compasso ternário simples com o binário composto enriquece o caráter rítmico e dançante típico da guajira, de origem cubana.

A estreia da obra ocorreu nos Estados Unidos da América, com o Texas A & M University Concert Chorale, sob minha regência (vídeo). Durante a preparação, colaborei dando sugestões sobre o tempo e a pronúncia do Português Brasileiro, levando em consideração as idiossincrasias do texto. Um fato interessante nesse processo foi a minha participação em um dos ensaios do grupo por meio do SkypeTM. Discuti com o maestro Randall Hooper a melhor forma de viabilizar esse encontro virtual e no dia e horário combinados tive a honra de acompanhar o nascimento da obra.

Após uma semana naquela universidade, regendo, cantando e proferindo palestras, volto para o Brasil com vários projetos em andamento. O primeiro deles é que pretendemos trazer o TAMUC Chorale e seu regente para o Festival Internacional de Música de Campina Grande. A segunda é que também iremos levar o Coro de Câmara de Campina Grande, ainda este ano, para aquela universidade. Enquanto voo, penso na velocidade, no tempo e nas distâncias percorridas. Fiquei imaginando como Mário de Andrade reagiria ao saber que os frutos da sua pesquisa foram ressignificados, ganhando novos sentidos em terras estadunidenses, e o que ele diria sobre aquele ensaio via internet. Tal como na guajira, a permanência e a alternância são marcas da nossa contemporaneidade e diluem nossas fronteiras, ora nos afastando, ora nos aproximando.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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