Quando
estou selecionando repertório para meus grupos, as variáveis são
tantas que costumo trabalhar muitos dias nesta tarefa. Geralmente, organizo as obras que pretendo interpretar a curto, médio e longo prazo em três
categorias: na primeira estão as composições mais simples, que podem ser
incorporadas ao dia-a-dia do conjunto rapidamente; na segunda, aquelas que
exigem elevado nível técnico e cuja preparação demanda mais tempo; na terceira, as masterpieces, obras que
necessitam de muitos recursos humanos e financeiros para serem executadas e que
não dependem exclusivamente da minha iniciativa. Além
desses critérios, analiso o potencial das peças e vejo se elas contemplam múltiplas dimensões do fazer musical.
Prefiro trabalhar com literatura original,
escrita por diferentes autores e em períodos distintos, seja para coro, banda
ou orquestra. Eventualmente, para variar e de acordo com as necessidades,
insiro arranjos, versões e adaptações. Faço isso porque, no caso específico do
canto coral, percebo que muitos colegas têm priorizado um repertório de
qualidade duvidosa, com forte apelo midiático, deixando de lado obras de
referência, alegando os mais variados argumentos, muitos dos quais infundados.
Combino
o velho e o novo, o local e o regional, os compositores consagrados e aqueles em
ascensão, cuja produção, além de tecnicamente adequada e acessível, seja igualmente
expressiva e bela. Às vezes, exploro um autor, uma época, um estilo, um tema, o
repertório a cappella; outras, música
com solistas, coro e acompanhamento instrumental. Sempre busco a variedade de andamentos, tons,
articulações, dinâmicas, textos, texturas e caráteres. É preciso paciência para
garimpar e organizar esse quebra-cabeças, pois quando o repertório não é
selecionado criteriosamente é possível que aja desânimo, que os ensaios se
tornem morosos, que o desgaste entre regente e músicos se acentue, que a
experiência musical não seja afetiva, lúdica. A plateia também reage diante de
escolhas inconsistentes, equivocadas, bocejando, mexendo-se nas poltronas,
desejando, ansiosamente, o fim do concerto.
Selecionar
o repertório da temporada é uma ação que requer calma, posto que a pressa é
inimiga da perfeição, e muita racionalidade, visto que a emoção não é sábia
conselheira. Antes de tomar uma decisão, esboço várias possibilidades, equilibro
os princípios que norteiam a minha práxis artística e pedagógica com as
necessidades e as expectativas daqueles com os quais irei conviver e trabalhar.
Tento resistir, na medida do possível, às pressões extrínsecas, muitas das
quais podem ser motivadas pelo modismo, pelas imposições do mercado, pelas
exigências dos chefes imediatos, pelos caprichos dos mecenas, pela opinião dos
impertinentes. Todo ano, nessa época, meu desafio – e o de muitos regentes – é sempre
o mesmo: organizar o repertório sem perder de vista o ideal, sem abrir mão da
excelência, sem excluir a possibilidade de mudança ao longo do percurso.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
3 comentários:
Gosto de ler o que escreves, tenho aprendido muito...
Obrigado, Mário Celso Rodrigues.
Excelente, Vladimir. Já tive a oportunidade de ouvi -lo falar num Curso de Regência em Goiânia sobre a escolha do Repertório. Sintetizar foi maravilhoso, pois no momento contribuirá para fundamentar alguns questionamentos. Obrigada, professor e amigo. Fã
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