Neste ano em que celebramos o centenário de nascimento de Jackson do Pandeiro, desenvolvi com os alunos da disciplina Percepção Musical IV, dos cursos de Música da Universidade Federal de Campina Grande, atividades específicas almejando ampliar o sentido das festividades em torno deste importante músico paraibano, apontando caminhos para a compreensão da sua produção. Ao longo do semestre, ouvimos várias obras que integram a discografia deste alagoa-grandense e que ratificam a sua versatilidade em diferentes territórios, razão pela qual recebeu a alcunha de Rei do Ritmo.
Iniciamos nosso projeto com a seleção do repertório, que contemplou aproximadamente quarenta títulos, dentre os quais A ordem é samba, Treze de maio, Dia de beijada, Papel crepom, Aquilo bom, Morena bela, Bumba meu boi, Rainha de Tamba, Rojão de Brasília, Xarope de amendoim e Babalaô, danças variadas, incluindo samba, marchinhas carnavalescas, rojão, xaxado, coco, maxixe, maracatu, polca, rancheira, reisado, baião, frevo e muito mais. Ouvimos as gravações originais, quase todas disponíveis em plataformas digitais. Graças aos recursos tecnológicos, conseguimos reduzir a velocidade de algumas execuções sem comprometer, com isso, a qualidade do áudio, o entendimento do texto poético-musical. Essa alteração foi crucial para elucidarmos detalhes do arranjo, de modo geral.
O processo de transcrição das obras foi lento e complexo, porque, nos fonogramas analisados, o intérprete nunca repete a melodia da mesma forma, isto é, há sempre um elemento novo, certa improvisação. Esse aspecto foi bastante desafiador, pois tivemos que decidir se transcreveríamos para a partitura as variantes ou se manteríamos apenas a estrutura padrão. Nesse encontro com o legado do artista, além dos aspectos musicais, nos debruçamos sobre uma grande variedade de temas, alguns prosaicos, outros bem singulares, crônicas de costume, fundamentalmente, que tratam dos mais variados assuntos, desde a fundação da Capital Federal, Brasília, até a história d’A mulher que virou homem, gravada no início dos anos sessenta, quando as discussões sobre gênero eram ainda incipientes.
Uma das composições que me chamou a atenção foi Sonata no frevo (vídeo - partitura), de Braz Marques e Roberto Silva, do álbum A alegria da casa!, um dos três lançados pela Philips em 1962. Ao ouvi-la, identifiquei elementos que me remeteram à Sonata para piano n° 14, Op. 27 n° 2, de Ludwig van Beethoven, a conhecida Sonata ao Luar (vídeo e partitura). A análise revelou uma conexão entre as duas peças, sob diferentes perspectivas. O recurso intertextual, presente no título e nos elementos rítmicos, melódicos e harmônicos da canção, reforça a ironia, a carnavalização, o dialogismo que aproxima/distancia Bonn de Recife, a música de concerto da popular, o frevo da Bossa Nova (ouça Silvério Pessoa), o Nordeste do Sudeste do Brasil, bem como esses dois grandes ícones, Beethoven e Jackson do Pandeiro.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
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