domingo, 6 de março de 2022

A guerra

La guerre, de Clement Janequin, é uma canção a cappella e a quatro vozes que trata da batalha de Marignan, onde hoje se localiza Melegnano, nos arredores de Milão. Os franceses, sob o comando de François I, ganharam o enfrentamento contra os suíços e que tinha como objetivo o domínio da região da Lombardia, importante centro comercial àquela altura.

Na seção inicial da composição, conclama-se o exército à luta. As palavras introdutórias convocam os soldados, que devem se preparar para o combate com coragem e por amor à França. Os símbolos pátrios são evocados, como podemos ouvir nos versos que fazem referência à Flor-de-Lis, utilizada nos brasões e escudos da realeza francesa como um símbolo de autoridade, pois esse lírio, de valor inestimável, está dentro do coração de cada um dos gauleses. Gradualmente, enumeram-se as armas que serão utilizadas no conflito, incluindo canhões, sabres, bombardas e lanças. Para o deslocamento das tropas, tocam os clarins, sopram as flautas, rufam os tambores. Já na segunda parte, o compositor descreve em detalhes a ação. Inicialmente, ouve-se a fanfarra e, na sequência, as mais variadas onomatopeias que ilustram o choque dos armamentos, o estouro das bombas, o galopar apressado dos cavalos, o som cortante das espadas em constante movimento. Nesse trecho, o foco é a briga, o tumulto, os corpos e os múltiplos interesses em confronto. Essa tensão é superada quando os suíços, percebendo a derrota iminente, começam a fugir. À medida em que correm, mostram as solas dos sapatos, como constatamos no texto ils montrent les tallons e tout est ferlore, bigot — esta última é uma expressão que combina francês e alemão, podendo ser traduzida como por Deus, tudo está perdido!

No que concerne aos aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos, a peça é tranquila. Já do ponto de vista linguístico, é preciso decidir se a pronúncia adotada será aquela historicamente orientada. Além disso, é necessário pensar as estratégias que irão assegurar uma sonoridade leve, com controle do vibrato e que permita evidenciar as diferentes cenas e ambiências encontradas na partitura.

A primeira vez que ouvi La guerre (partitura - vídeo), fiquei impressionado. Por essa razão, tão logo tive oportunidade e condições técnicas, inseri-a no repertório do meu coro. E isso aconteceu com o Grupo Vocal Nós e Voz, em Campina Grande - PB, o Madrigal Vox Populi, em Teresina - PI, e o Madrigal da UFBA, em Salvador - BA. Se, por um lado, a obra do padre francês é fascinante, por conta da sua polifonia descritiva e por causa dos desafios técnicos, musicais e vocais, que oferece, por outro ela também nos faz pensar sobre os horrores que os duelos sangrentos provocam ao redor do mundo, nesse embate desmedido pelo poder econômico e político.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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