segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Será que antigamente eu era mais moderno?

Pequeninos Cantores da Borborema é o nome do primeiro grupo infantojuvenil com o qual trabalhei em Campina Grande. O coro, ligado à Fundação Artístico-Cultural Manuel Bandeira (FACMA), existiu entre agosto e dezembro de 1990, contando com doze coralistas, que ensaiavam duas vezes por semana. Nos nossos encontros, trabalhávamos conteúdos teóricos-musicais e interpretávamos variado repertório, formado por obras do cancioneiro popular e também inéditas.

Na estreia, no final daquele ano, apresentamos um recital no Cinema I, do Centro Cultural, com cinco peças, todas compostas para o grupo. A TV Paraíba fez uma reportagem sobre nossa atuação, cujo vídeo, guardado há mais de trinta anos, consegui recuperar recentemente e disponibilizo para amplo conhecimento. Lembro de duas peças que escrevi especialmente para a ocasião: Noite de Amor e Criança pensa também.

A primeira, em compasso binário composto, tem harmonia diatônica e é basicamente por graus conjuntos. O texto aborda a alegria da noite em que Jesus nasceu, concluindo com o verso: “Ai! Que bom seria / se o Natal fosse todo dia! / E a gente aprendesse a lição: / amar o nosso irmão!”. A partitura e o áudio, gravados posteriormente para um projeto escolar, podem ser conferidos nesses links. A segunda peça, Criança pensa também, foi um projeto experimental. Aqui, reconheço as influências recebidas já na graduação, na UFPB, em João Pessoa, bem como meu desejo de criar algo em sintonia com o meu tempo. Do ponto de vista estrutural, é uma forma ternária a cappella, a duas vozes com divisi, que combina partes cantadas e faladas em ostinato, numa tentativa de aproximar-se do rap daquela época. O texto é um convite à reflexão sobre ecologia, guerra e paz, valores éticos e morais, a educação das crianças e jovens, de modo geral. A partitura vem acompanhada de comentários sobre a obra, bem como o poema, o currículo do autor e uma bula, indicando alguns dos sinais utilizados, tudo isso, é claro, manuscrito e datilografado na minha velha Olivetti verde musgo, com tampa tipo malinha.

Mexendo nesses documentos, vi que, na primeira versão, usei o pseudônimo A. Z. do Nascimento, enquanto na última, que compartilho aqui e peço-lhes que a compreendam com os olhos de quem tinha vinte anos, assino com meu nome completo. Analisando a peça mais detalhadamente, identifiquei problemas métricos na poesia que me levaram a equívocos prosódicos, que foram contornados agogicamente, durante os ensaios. A textura é predominantemente acórdica, sem indicação de articulação e dinâmica, que “ficam à critério dos intérpretes,” conforme descrito. Depois de rever tudo isso, sorri com tais iniciativas juvenis, com essa vontade de criar, de expressar no papel minhas inquietações, de definir o meu caminho na música coral. Por fim, fiquei me perguntando: será que antigamente eu era mais moderno?

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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