quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Coro cênico: algumas ideias para reflexão

Coro cênico: algumas ideias para reflexão é um texto de Gordon Paine, que foi publicado no Choral Journal, da American Choral Directors Association, em Maio de 1981, com o título The Show-Choir Movement: Some Food For Thought. O ensaio, que discute a expansão do coro cênico, coreográfico, performático, mexitivo, como queiram denominar, nos EUA, na década de 1970, provocou o debate no meio profissional, à época do seu lançamento.

Paine inicia sua explanação comentando sobre esse tipo de agrupamento na América do Norte e sobre o espaço que o tema ocupa em publicações como o Choral Journal. O autor critica os conjuntos que cantam repertório pop e jazz, afirmando que são influenciados pela TV e que o uso de microfones, sistemas de som, iluminação, figurinos, coreografia, dentre outros recursos, são, na verdade, embustes que mascaram o fazer musical técnica e artisticamente mais elaborado. Paine questiona a predominância dessa literatura coral, que ele classifica como comercial e moderna, em detrimento daquela que ele considera como de excelência e histórica, alegando que o crescimento descontrolado desse tipo de ensemble e repertório poderia extinguir programas corais consolidados, da mesma forma como as bandas marciais têm expulsado as orquestras de muitas escolas. Salienta, ainda, que não se opõe aos arranjos de “bom gosto, artísticos e comerciais nas seções mais descontraídas dos programas corais.” Muito embora temeroso com o caminho que se configurava, Paine conclui dizendo que esse frenesi tem um lado positivo e que seria necessário revisar os programas escolares norte-americanos que contemplam o canto coral como atividade educativa e artística.

A crítica de Paine carece de fundamentação, limitando-se ao âmbito músico-vocal. Na verdade, trata-se de uma coletânea de opiniões baseadas em crenças e valores pessoais, recheada de adjetivos que provocam o leitor, sobretudo por conta dos preconceitos que reforçam. É sempre bom lembrar que, em matéria de arte-música, para compreendermos o conflito entre tradição e ruptura é preciso ir além dos versos, das notas e dos ritmos. Antes, é necessário analisar as relações discursivas, os elementos políticos, econômicos e simbólicos que povoam as entrelinhas das práticas musicais em suas múltiplas configurações.

Apesar das limitações, esse é um documento que precisa ser lido e compreendido no contexto da sua produção, circulação e recepção, visto que, àquela altura, as discussões em torno da decolonialidade eram escassas, para não dizer inexistentes, nos círculos conservatoriais, por exemplo. Acredito que a leitura também é válida porque, no Brasil, esse é um tipo de proposta estética bastante difundida e, muitas vezes, parte desse embate é desconhecido, ignorado. Para quem quiser conferir na íntegra o documento e tirar suas próprias conclusões, identificando as transitoriedades e permanências do polêmico texto de Paine, compartilho a minha tradução, esperando contribuir para a compreensão do assunto.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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