segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Música fúnebre

A Igreja Católica Romana comemora hoje, dois de novembro, o dia dos mortos. Para festejar a data, instituída oficialmente por volta do século X, celebra-se a Liturgia dos Defuntos, que possui cerimônias distintas, dentre as quais o ofício e a missa.

Até o final do século XVI, os compositores se voltaram com freqüência para estes dois tipos de serviço litúrgico em função do vínculo que mantinham com Roma e por conta da relação de dependência econômica com a aristocracia e os mecenas. Foi neste cenário que Palestrina, Lassus e Victoria escreveram um número considerável de música fúnebre, em latim e para coro a cappella. Esta tradição foi rompida com o Musikalische Exequien (1636), de Heinrich Schütz, e o Deutsche Sprüch von Leben und Tod, de Leonhard Lechner, ambos baseados na retórica protestante. Outros compositores seguiriam a mesma tendência, dentre eles Johannes Brahms, autor do Ein deutsches Requiem (1866). Nesta obra, ao invés de invocar a salvação dos mortos, Brahms trata de consolar aqueles que estão vivos e necessitam de amparo e esperança para continuar a caminhada diante da perda dos seus entes queridos. Vários compositores brasileiros também escreveram música para os serviços fúnebres, especialmente nos séculos XVIII e XIX. Aqui, entretanto, foram comuns três tipos específicos: a Encomendação Paralitúrgica de Adultos (ou Memento), a Encomendação Paralitúrgica de Crianças e as Estações na Comemoração dos Fiéis Defuntos. O exemplo mais conhecido no Nordeste é o Memento Baiano, de Damião Barbosa Araújo (1778-1856), para coro misto a quatro vozes, duas flautas, clarinete, dois violinos e violoncelo.

A obra foi restaurada graças ao pioneirismo de padre Jaime Cavalcanti Diniz e publicada, posteriormente, pela Editora da UFBA, na década de 70. No prefácio da edição, o pesquisador narra suas dificuldades e comenta: “o título da composição de Damião Barbosa de Araújo é apócrifo, com toda segurança. Conservo, na edição, não pela obrigação de me conformar com o documento encontrado, mas por me parecer curioso e, além do mais, me ter valido como elemento subsidiário ao estudo da autenticidade da obra. Sabe-se como é difícil esse problema de autenticidade, com relação aos manuscritos musicais dos nossos arquivos. Nem sempre basta encontrar o nome do autor. Pode ser o verdadeiro, mas poderá ser falso. Ser o nome de um copista. De um proprietário da obra. De uma atribuição baseada na oralidade. Isso quando é assim, porque existe o outro caso (devia ter dito muitíssimos casos) do anonimato, dos nomes incompletos, das simples iniciais.”

O Memento Baiano voltou a ser executado no Brasil e no exterior e tem sido bem recebido por intérpretes, plateias e crítica. A composição, que é um exemplo típico do classicismo brasileiro, é prática e acessível à maioria dos nossos coros, pois não requer solista e uma grande massa vocal e orquestral. Gosto da obra e já tive a oportunidade de interpretá-la em diversas ocasiões. Sugiro que visitem http://www.youtube.com/watch?v=zB1GupnXpxQ e tirem suas conclusões.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

3 comentários:

Paulo César disse...

Parabéns pelo site, Professor!
Serei um leitor assíduo.

Bianca Almeida disse...

Vladimir, voce sempre PROFESSOR...seus ensinamentos ficam por onde passa. Parabens pela sua pessoa.
Bianca

Anônimo disse...

Não sabia não... gostei!
Dayana.

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