O casamento integra o ciclo das Duas canções irreverentes, do compositor José Alberto Kaplan. O texto, extraído da poesia popular brasileira e portuguesa, é composto por três estrofes, conforme podemos ver a seguir: Quando um homem vai casar, / neste dia, todo dia, / deviam pôr-se a dobrar, / os sinos da freguesia. O casado é meio homem; / o solteiro é homem inteiro; / o viúvo é rei dos homens, / dito por Deus verdadeiro. Quem se casa duas vezes / é mesmo um burro caseiro. Todo homem quando embarca, / deve rezar uma vez; / quando vai à guerra, duas; / e quando se casa, três. / Casar é bom; não casar é bem melhor.
Kaplan enfatiza os aspectos satíricos do poema através de vários recursos, dentre os quais o uso sistemático do trítono. A Igreja, durante a Idade Média, classificou este intervalo, de quarta aumentada ou quinta diminuta, como dissonante, perturbador, tentador, a verdadeira representação do diabolus in musica. Além do trítono, os clusters e os grandes saltos intervalares maiores que uma oitava também reforçam o sentido irônico e malicioso do texto. Para realçar o caráter dançante da obra, o compositor recorre ao ostinato rítmico do tango-habanera, rico em síncopes e contratempos. Articulação e dinâmica também enfatizam vários aspectos da narrativa, sugerindo a união (quase perfeita) entre texto e música, melodia e acompanhamento.
Sob a perspectiva interpretativa, a obra exige do cantor um apurado senso rítmico e melódico por conta dos conflitos entre a voz e o piano, já que, em certos trechos, parece não existir uma relação direta entre ambos. Muita atenção deve ser dada ao texto, que deve ser explorado em toda a sua potencialidade. Por exemplo, a frase que antecede o último verso (“casar é bom”) conclui com uma fermata sobre a palavra “bom”. Uma decisão interpretativa razoável seria prolongar levemente o som da consoante “m”, como o fazemos em bocca chiusa, sugerindo que algo é gostoso, interessante, o que é bastante sugestivo para o contexto em questão. Outra possibilidade seria sorrir delicadamente sobre a pausa (suspiratio) que antecede a frase final (“não casar é bem melhor”), sublinhando os aspectos sarcásticos da história.
O casamento é uma obra rica em elementos retóricos e o uso da ironia e da sátira serve para potencializar a representação dos conflitos que um casal, aqui representado no dueto voz-piano, vive ao longo de sua vida conjugal. Se alguém tiver interesse em conferir, basta seguir o link http://www.youtube.com/watch?v=z4lFR0kAWQA e ouvir a gravação que realizei ao vivo, durante um recital, em conjunto com a pianista Maria Di Cavalcanti, no início deste ano, nos Estados Unidos.
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
2 comentários:
Creio que devemos orar sempre pelo casamento, afinal de contas somos diferentes e precisamos sempre entender melhor o outro. Quando nós quisermos fazer o outro feliz, e vice-versa aí teremos encontrado o segredo do casamento, e estaremos dispostos a seguirmos juntos até o fim de nossas vidas.
Como diz a canção de Rute:
Onde quer que tu fores, irei tbm,onde quer que pousares pousarei eu. Teu povo é meu povo. Teu Deus o meu Deus. Onde quer que morreres eu morrerei tbm. e ali eu serei sepultada. Só a morte, a morte separar-me-à de ti.
Pra mim é a música mais linda que já cantei.Wilma
Há dias pensava nesse texto. Hoje resolvi lê-lo novamente e enviar aos meus alunos que estão iniciando a graduação. Excelente!
Grande abraço,
Miriam
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