segunda-feira, 23 de março de 2020

Cussaruim em dois tempos

Cussaruim em dois tempos (Manuel Bandeira - José Vieira Brandão) é uma composição para coro misto a seis vozes. A extensão vocal é a seguinte: Soprano, Ré3 -4; Contralto, Sib- Dó#4; Tenor, Ré2 - Sol3; e Baixo, Sol1 - Mi3. Para a execução desta peça, são indicados outros recursos sonoros, a exemplo da realização de trechos recitados, com voz falada.

Muito embora esteja organizada em blocos, Berimbau e Boca de Forno se complementam pelo sentido notadamente dançante que possuem, típico das manifestações musicais ligadas à tradição oral brasileira. As duas partes estão escritas em notação tradicional e, em ambas, a estrutura métrica é grafada nos compassos binário, ternário e quaternário simples, totalizando oitenta e três compassos. Berimbau é uma forma tripartida e tem melodias e harmonias construídas em Dó lídio, mixolídio e lídio/mixolídio. Boca de Forno também está organizada em três seções e apresenta diferentes centros tonais.

A preparação de Cussaruim poderá envolver variadas atividades, incluindo a leitura e a compreensão textual, uma breve passagem sobre a vida e a obra do poeta e do compositor, assim como leituras sobre o maracatu. As informações apresentadas no prefácio da partitura (baixe aqui) publicada pela FUNARTE, em 1982, são relevantes, pois clarificam o pensamento de Vieira Brandão, que “se ateve na criação de dois momentos musicais, nos quais a imagem folclórica de cussaruim se apresenta envolta em ambientes rítmicos e melódicos contrastantes.” Ao detalhar sua criação, complementa: “no primeiro quadro, incluso na lenda do boto amazônico, utilizando agregações sonoras num jogo rítmico harmônico alternado com frases declamadas. No segundo quadro, como personagem do maracatu nordestino, após o diálogo inicial em uníssono, predomina um clima seresteiro onde as melodias se sucedem e se entrelaçam no plano harmônico do coro misto. A coda reproduz o diálogo do início que conduz ao clímax final.”

No trabalho vocal, o emprego de exercícios de articulação pode ajudar na emissão das palavras. Os vocalizes podem tomar como base as constâncias rítmicas e fonéticas da partitura. Além disso, o treinamento deve incluir a voz falada, em busca da projeção numa região adequada, com finalidades artísticas, evitando o esforço desnecessário. Sob a perspectiva melódica, o regente pode criar solfejos com as configurações modais já citadas, bem como acordes quartais. Além dos aspectos descritos, caso haja necessidade, é possível pensar em algum tipo de trabalho corporal/cênico que permita uma encenação do texto em conformidade com as seções da música. Muito embora apresente alguns pequenos desafios para coros menos familiarizados com esse tipo de linguagem, a peça é acessível, alegre e divertida. Recursos plásticos e cênicos poderão expandir a imaginação e a motivação dos cantores e da plateia, dinamizando, deste modo, o processo interpretativo, expandindo a experiência estética.

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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