Entrei em contato com a produção do polonês
Krzysztof Penderecki nos Estados Unidos, na disciplina Literatura Coral do
século XX, durante o doutorado na Louisiana State University. Meu orientador,
dois meses antes do início das aulas que aconteceriam naquele verão, distribuiu
o material. Recebi várias obras, dentre as quais a Paixão Segundo São Lucas, do referido compositor. Os cursos funcionariam
em forma de seminários, que seriam apresentados pelos doutorandos. Cada
encontro duraria duas horas, ao longo das quais deveríamos discorrer sobre os
temas definidos previamente.
Devo confessar que a reação inicial foi entrar
em pânico. E com razão. Ora, além da complexidade do repertório que seria
analisado, ainda havia a questão linguística, afinal coordenar uma atividade no
âmbito da pós-graduação, expressando-se em outra língua que não era a nativa,
com um conteúdo novo e complexo é, no mínimo, bastante desafiador. Em vão,
tentei contornar a situação com o professor. Naquela ocasião, aprendi a mais
básica de todas as lições, que nunca esqueci e que, sempre que possível, ensino
aos meus alunos no primeiro dia de aula: se o problema é seu, é você quem deve solucioná-lo!
Saí da aula preocupado, desconfiando da minha capacidade de levar a cabo aquela
tarefa, pensando em tudo que já havia passado até chegar ali. Curti meu medo
por um certo tempo e gradualmente fui transformando o limite em possibilidade.
Iniciei a coleta bibliográfica, selecionei artigos,
livros e partituras em diferentes idiomas, ouvi CDs, enfim, esgotei todos os
recursos possíveis e imaginários numa época em que a internet não era essa
fonte inesgotável para a pesquisa, num tempo em que nós cotidianamente frequentávamos
as bibliotecas, recheadas de livros e mofo. No intervalo entre o Spring e o Summer, passei a morar no coração da LSU. Dia e noite, só pensava
em Penderecki, apaixonando-me por sua música, compreendendo a sua técnica e a
grandiosidade do seu trabalho. Estudei tudo o que era possível e nos três dias
de palestras, fiz o que se esperava e muito mais.
Mergulhei profundamente na Paixão (vídeo com partitura) e descobri aspectos estruturais
que, até então, não haviam sido mencionados em outros estudos. A análise
revelou, por exemplo, que os pedais estão conectados harmonicamente. Do ponto
de vista formal, há uma semelhança com a forma sonata. Minha descoberta revelava
a existência de elementos que eu não sabia ainda explicar claramente, mas que,
de fato, já conseguia identificar. Isso era uma grande novidade. E aí, quando
todos achavam que eu iria encerrar a palestra, dei o pulo do gato e sai com
essa pérola, para a surpresa de muitos, ressalte-se. Foi assim meu encontro com
esse ícone da música do Leste Europeu e o meu début no doutoramento. Mas quem disse que esta história termina aqui?
Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)
segunda-feira, 30 de março de 2020
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