segunda-feira, 30 de março de 2020

Mas quem disse que esta história termina aqui?

Entrei em contato com a produção do polonês Krzysztof Penderecki nos Estados Unidos, na disciplina Literatura Coral do século XX, durante o doutorado na Louisiana State University. Meu orientador, dois meses antes do início das aulas que aconteceriam naquele verão, distribuiu o material. Recebi várias obras, dentre as quais a Paixão Segundo São Lucas, do referido compositor. Os cursos funcionariam em forma de seminários, que seriam apresentados pelos doutorandos. Cada encontro duraria duas horas, ao longo das quais deveríamos discorrer sobre os temas definidos previamente.

Devo confessar que a reação inicial foi entrar em pânico. E com razão. Ora, além da complexidade do repertório que seria analisado, ainda havia a questão linguística, afinal coordenar uma atividade no âmbito da pós-graduação, expressando-se em outra língua que não era a nativa, com um conteúdo novo e complexo é, no mínimo, bastante desafiador. Em vão, tentei contornar a situação com o professor. Naquela ocasião, aprendi a mais básica de todas as lições, que nunca esqueci e que, sempre que possível, ensino aos meus alunos no primeiro dia de aula: se o problema é seu, é você quem deve solucioná-lo! Saí da aula preocupado, desconfiando da minha capacidade de levar a cabo aquela tarefa, pensando em tudo que já havia passado até chegar ali. Curti meu medo por um certo tempo e gradualmente fui transformando o limite em possibilidade.

Iniciei a coleta bibliográfica, selecionei artigos, livros e partituras em diferentes idiomas, ouvi CDs, enfim, esgotei todos os recursos possíveis e imaginários numa época em que a internet não era essa fonte inesgotável para a pesquisa, num tempo em que nós cotidianamente frequentávamos as bibliotecas, recheadas de livros e mofo. No intervalo entre o Spring e o Summer, passei a morar no coração da LSU. Dia e noite, só pensava em Penderecki, apaixonando-me por sua música, compreendendo a sua técnica e a grandiosidade do seu trabalho. Estudei tudo o que era possível e nos três dias de palestras, fiz o que se esperava e muito mais.

Mergulhei profundamente na Paixão (vídeo com partitura) e descobri aspectos estruturais que, até então, não haviam sido mencionados em outros estudos. A análise revelou, por exemplo, que os pedais estão conectados harmonicamente. Do ponto de vista formal, há uma semelhança com a forma sonata. Minha descoberta revelava a existência de elementos que eu não sabia ainda explicar claramente, mas que, de fato, já conseguia identificar. Isso era uma grande novidade. E aí, quando todos achavam que eu iria encerrar a palestra, dei o pulo do gato e sai com essa pérola, para a surpresa de muitos, ressalte-se. Foi assim meu encontro com esse ícone da música do Leste Europeu e o meu début no doutoramento. Mas quem disse que esta história termina aqui?

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

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